Revi o maravilhoso "As Horas" (2002), com Nicole Kidman. E sempre quando vejo esse filme me lembro de como ela foi essencial, ainda que de modo pontual, em minha visão de mundo. No fundo, sempre suspeitei de que cada dia é mais um dia sob o risco de ser devorado pelo sentimento último da melancolia.
Às vezes na vida se faz necessário rompimentos com o cotidiano para que possamos ver melhor o sentido do que fazemos, ou a total falta de sentido. A vida se degrada facilmente na rotina de tentar mantê-la funcionando, por isso a derrota, como no livro "Mito de Sísifo" (1942), de Albert Camus, pode ser a condição necessária para a consciência repousar em paz consigo mesma. Vencer sempre pode ser um inferno.
Na época, atravessando minha primeira (de várias) crises com minha formação médica então em curso, busquei fugir para alguma fronteira do mundo.
Penso no número enorme de pessoas que se levantam pela manhã assim como quem carrega um corpo que não é seu. Mrs. Dalloway é o fim de quem ingenuamente acredita que as coisas sempre darão certo, bastando festejar a rotina comum. Não, a rotina é indiferente à nossa fidelidade, podendo nos destruir mesmo quando a servimos como a um senhor todo poderoso. O pesadelo de Mrs. Dalloway é se ver como estrangeira em sua própria alma.
No fundo de nossa alma habitam monstros que a muito custo se mantêm em silêncio. Esses monstros, quando o mundo silencia, surgem na superfície mostrando o ridículo de nossa batalha diária.
Quantas vezes mulheres apenas suportam o choro de seus filhos, sofrendo no fundo da alma o horror que é ser obrigada a amá-los quando não sentem por eles nada parecido com amor materno, mas apenas o incômodo causado por aqueles pequenos intrusos em suas vidas. Quantos homens sufocam diante da certeza de que já vivem uma vida sem amor, sem afeto e sem desejo, mas que isso é tudo que suportam ao lado de suas esposas. Quantos filhos sofrem por se sentir indiferentes para com o destino dos pais idosos, tentando convencer a si mesmos de que o amor pelos pais seria o certo, mas que nada conseguem além de desejar vê-los mortos e assim se sentirem livres finalmente.
Entre as funções da civilização, uma é a tentativa de calar esses monstros criando ritos, rituais, festas para celebrar a frágil vitória contra essas criaturas deformadas, atormentadas pelo completo desinteresse pela vida. A verdade é que não há como civilizá-las, a não ser ensiná-las que elas não têm lugar no mundo dos vivos e que, por isso, devem sucumbir à rotina da infelicidade como norma da vida".
5 comentários:
Discordo da conclusão.
Não fomos feitos para sermos infelizes, menos ainda para sermos felizes, não fomos nem feitos, tão pouco algo se destina a nós.
A grande verdade (se é que é mesmos preciso encontrá-la), é que insistimos tenazmente em responder às questões provenientes de nossos conflitos internos projetando suas causas para fora dos domínios do próprio homem.
Daí sim nascem fantasmas, esses seres etéreos que nunca nos trarão algo de concreto como a Felicidade ou coisa que o velha, pois, na verdade, todas essas coisas vem de dentro, são inatas do ser humano, e o melhor, nós as controlamos.
Creia no Deus Cérebro
"Esse livro do Dawkins é uma auto-ajuda para ateus inseguros."
"A filosofia do bem-estar é utilitarismo. A preocupação com o bem-estar leva o homem à burrice e a ontologia da vida como empresa e eficácia. Não há evidências empíricas de que a humanidade sem a fé seria mais feliz. A humanidade é infeliz e, como eu disse antes, não levo a sério filósofos preocupados com o bem-estar na humanidade: afinal o que é isso? Vivemos há algum tempo já numa filosofia do bem-estar: TV a cabo, liberdades sexuais, suposição democrática, antibióticos. Falta ao bem-estar de Dawkins a sutileza de quem pensa o ser humano como animal ferido que é. Como diria Chesterton , não há problema em não se acreditar em Deus; o problema é que se acaba sempre acreditando em alguma besteira, como, por exemplo, no bem-estar da humanidade."
http://neoateismodelirio.wordpress.com/2009/10/31/luiz-felipe-ponde-ateismo-militante-e-auto-ajuda-para-ateus-inseguros/
Essa "rotina da infelicidade" em que os monstros interiores são jogados e subjugados, parece ser a infelicidade deles, dos monstros que carregamos.
Eles devem se conformar com a rotina e a normalidade. Não podem matar bebês, deixar a família, matar pais idosos.
Ao mesmo tempo, esses "monstros" somos nós mesmos.
Então, a sociedade traz infelicidade porque tutela os monstros.
Freud explica! No mal-estar na civilização; assim como Hobbes e o contrato social, que traz o lobo do homem para baixo das asas do Soberano; e Nietzsche identifica essa doença como o Niilismo.
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