quarta-feira, 18 de maio de 2011

Vivre sa Vie, por Jean-Luc Godard

Diálogo entre Nana, a prostituta, e um homem que conhece no bar.


_ É engraçado. De repente não sei o que dizer; isso acontece muito comigo. Eu sei o que quero dizer, eu reflito sobre o que quero dizer, mas no momento de dizer eu não consigo.
_ Sim, claro. Você leu Os Três Mosqueteiros?
_ Não. Eu vi o filme. Por quê?
_  Porque nele, Porthos_ isso se passa na verdade no Vinte Anos Depois_ Porthos, o grande, o forte, um pouco besta_ ele nunca pensou em sua vida, compreende?_ Então, uma vez ele tem de implantar uma bomba numa adega para explodi-la. Ele o faz. Ele coloca a bomba, acendê-a e sai correndo, naturalmente. Mas de golpe, ele começa a pensar. Ele pensa o quê? Ele se pergunta como pode colocar um pé após o outro... Você já deve ter pensado sobre isso também. E então ele para de correr. Ele não pode mais, não pode avançar. Tudo explode, a adega cai sobre ele, que a segura sobre os ombros_ ele é forte_ mas depois de um dia, ou dois, ele cede, e morre. A primeira vez que ele pensa, ele morre.
_ Por que me conta essa história?
_ Sem razão, só por falar.
_ E por que a gente precisa sempre falar? Muitas vezes devíamos nos calar, viver em silêncio. Quanto mais se fala, menos as palavras significam.
_ Talvez, mas como se pode?
_ Eu não sei.
_ Eu acho que não podemos viver sem falar.
_ Então é isso; eu gostaria de viver sem falar.
_ Sim. Isso seria bom, não? É como se não amássemos mais. Mas não é possível, nunca vai ser.
_ Mas por quê? As palavras deviam exprimir exatamente o que queremos dizer. Elas nos traem?
_ Mas nós as traímos também. Nós devíamos poder dizer o que queremos como já foi feito com a boa escrita... É mesmo extraordinário que um homem como Platão a gente possa ainda compreender_ a gente compreende. Ainda assim ele escreve em grego, há 2500 anos. Ninguém realmente sabe a língua daquela época, ao menos exatamente, mas ainda assim passa alguma coisa, então nós devemos poder nos expressar. E nós precisamos.
_ E por que devemos nos exprimir? Para nos compreender?
_ Nós precisamos pensar, e para pensar é preciso falar... Não há outro jeito de pensar. E para se comunicar é preciso falar; é a vida.
_ Sim, mas ao mesmo tempo é muito difícil. Eu acho que a vida deveria ser fácil. Você sabe, a sua história dos Três Mosqueteiros pode ser muito boa, mas é terrível.
_ Sim, mas é uma indicação. Eu acredito que aprendemos a falar bem quando renunciamos à vida por algum tempo. É quase... O preço.
_ Então, falar é mortal?
_ Falar é quase uma ressurreição em relação à vida: quando falamos é uma outra vida de quando não falamos. Então, para viver falando, deve-se passar pela morte da vida sem falar. Eu talvez não esteja sendo claro, mas há uma certa regra ascética que te impede de falar bem até olharmos a vida com desapego.
_ Mas não se pode viver a vida com... Eu não sei!
_ Sim, mas nós balançamos. É por que isso que devemos passar do silêncio às palavras... Nós balançamos entre os dois porque é o movimento da vida. Da vida cotidiana nós elevamos a uma vida que chamamos de superior: é a vida do pensamento. Mas essa vida pressupõe a morte da vida cotidiana, a vida demais elementar.
_ Mas então pensar e falar se parecem?
_ Eu acredito. Platão o disse_ é uma idéia antiga: nós não podemos distinguir do pensamento o que é pensamento e as palavras que o exprimem, pois analisando a consciência você não consegue separar o momento de pensar das palavras.
_ Falando, então, a gente arrisca mentir?
_ Sim, porque mentiras são também parte da nossa busca. Há pouca diferença entre erro e mentira. Não quero dizer mentiras comuns como "eu prometo ir amanhã", mas não vou porque não queria. Entende? Esses são truques , mas uma mentira sutil é pouco distante de um erro. A gente procura, mas não consegue achar as palavras certas. É por isso que você não conseguia saber o que ia dizer; você tinha medo de não achar a palavra certa. Eu acho que é isso.
_ Sim, mas como ter certeza de ter encontrado a palavra certa?
_ Deve-se trabalhar. É necessário um esforço. Deve-se falar num modo que é certo, que não machuque, que diga o que há pra ser dito, que faça o que tem de fazer... Sem machucar, nem ferir.
_ Sim, um deve tentar ser de boa fé. Uma vez alguém me disse que a verdade estava em tudo, mesmo no erro.
_ Isso é verdade. Não foi visto na França do século XVII; eles achavam que podiam evitar o erro e ainda mais que isso, que se podia viver na verdade diretamente. Creio que não seja possível. Por isso há Kant, Hegel, a filosofia alemã: para nos conduzir à vida, e nos fazer ver que devemos passar pelo erro para chegar à verdade.
_ O que pensa do amor?
_ O corpo tinha de chegar nisto. Leibnitz introduzir o contingente. Verdades contingentes e verdades necessárias fazem a vida cotidiana. Aos poucos chegamos na filosofia alemã onde pensamos na vida, com os erros da vida, com as servitudes da vida. E se deve lidar com isso, é verdade.
_ O amor não deve ser a única verdade?
_ Mas para isso o amor deveria ser sempre verdadeiro. Você conhece alguém que sabe de cara quem ele ama? Não é verdade. Quando você tem vinte anos você não sabe o que ama. Você sabe migalhas, agarra-se apenas às suas experiências. E quando você diz "eu amo isso" é sempre uma mistura. Mas para ser constituído inteiramente daquilo que se ama, é preciso a maturidade. Isso significa buscar... E essa é a verdade da vida. É por isso que o amor é uma solução, na condição que seja verdadeiro.


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